BDSM (escravidão e disciplina, domínio e submissão, e sadismo sexual e masoquismo) é um interesse sexual e, para alguns, uma orientação sexual. Por definição, BDSM é consensual. A violência sexual é caracterizada por comportamento sexual intencional e não consensual. Os autores de violência sexual muitas vezes ignoram os desejos e limites dos seus parceiros e usam a força para superar qualquer resistência.

Embora o BDSM seja consensual, os participantes do BDSM às vezes podem se envolver em atos não consensuais, assim como às vezes um estuprador pode se envolver em relações sexuais consensuais. A diferença entre coito e estupro é o consentimento, e a diferença entre BDSM e violência sexual também é o consentimento. As diferenças entre BDSM e violência sexual são importantes e podem ter consequências jurídicas significativas (criminais e civis), bem como ramificações psicológicas para os indivíduos envolvidos.

Devido às semelhanças na aparência e nos resultados das atividades, pode ser difícil determinar se os atos de BDSM foram consensuais. O presente artigo é uma tentativa de familiarizar os médicos com algumas informações básicas para distinguir a violência sexual do BDSM. Este artigo também pode facilitar a competência cultural de profissionais ao interagir com a comunidade BDSM.

Para complicar a distinção entre violência sexual e BDSM, existem participantes de BDSM que cometem “violações de consentimento” (isto é, envolvem-se em atividades com as quais os participantes não consentiram ou ignoram limites previamente acordados). As violações de consentimento não são necessariamente violência sexual. Frequentemente, isso é resultado de mal-entendidos, inexperiência ou de ficar preso ao momento. Embora muitos participantes de BDSM tenham vivenciado isso, tais violações não tendem a se tornar um padrão persistente, mas as consequências emocionais podem ser indistinguíveis da violência sexual. Seja intencional ou não, uma suposta violação de consentimento é sempre grave. Um participante de BDSM que cometa um padrão de violação de consentimento pode ser considerado um agressor sexualmente violento. Existem aqueles que professam falsamente interesses consensuais de BDSM, mas atacam indivíduos de BDSM.

Fora dos procedimentos legais, os participantes do BDSM raramente são diagnosticados como portadores de transtornos parafílicos, e os perpetradores de violência sexual são criminosos e não necessariamente diagnosticados com transtornos mentais. Existem indivíduos orientados para o BDSM que não se identificam como tal, mas os seus comportamentos e intenções são indistinguíveis daqueles que o fazem.

Isto é análogo a pessoas que se envolvem em atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo, mas não se definem como gays ou bissexuais.

Especialmente entre indivíduos que nunca se envolveram anteriormente em BDSM, uma discussão sobre consentimento e limites (ou seja, acordo sobre quais atividades são proibidas) é comum, explícita e detalhada. As preocupações sobre os participantes mudarem de ideia, mal-entendidos, intoxicação, arrependimento posterior e serem pressionados durante as interações para mudar os limites não são diferentes de outras interações sexuais. Em geral, as interações BDSM são mais seguras para os participantes do que as interações iniciadas fora da comunidade BDSM.

Os participantes de BDSM geralmente estão cientes da linha tênue entre o maravilhoso e o demais. Algumas organizações de BDSM são proativas no fornecimento de programas educacionais sobre consentimento e na definição do que constitui uma violação do consentimento. A informação está disponível online (por exemplo, ver em https://ncsfreedom.org/key-programs-2/consent-counts/ )

Também é importante distinguir entre ter sofrido um gatilho (ou seja, passar por reações intensas provocadas por eventos negativos passados) e vivenciar atos não consensuais. Podem surgir problemas adicionais quando a interação se intensifica demasiado rapidamente, a realidade não corresponde à fantasia ou os participantes não possuem as competências necessárias para se envolverem numa atividade com segurança. Estes são problemas graves, mas não constituem necessariamente violência sexual.

O padrão de marcas físicas (hematomas, vergões, arranhões, etc.) pode ajudar a distinguir o BDSM da violência. O BDSM raramente envolve hematomas faciais; em vez disso, as marcas muitas vezes formam um padrão, sugerindo que o destinatário não estava evitando os golpes, ao passo que os ferimentos causados pela violência são mais aleatórios e os ferimentos defensivos são comuns. Marcas resultantes de interações BDSM geralmente evitam a parte inferior das costas, áreas ósseas e órgãos principais.

Dentro dessa situação, podemos formular inúmeros questionamentos, mas possivelmente a pergunta mais útil é “Se você soubesse que seu parceiro não estava gostando da interação, isso diminuiria ou aumentaria sua excitação?” Os participantes de BDSM geralmente estão cientes quando seus parceiros não estão gostando de uma atividade e relatam que isso diminuiria sua excitação. Quem pratica violência sexual concentra-se no seu próprio prazer, não se importando e nem reparando na reação dos seus parceiros, ou pode ficar mais excitado com a falta de prazer dos seus parceiros. Dentro da relação DBSM, mesmo que uma atividade tenha sido acordada inicialmente, o consentimento pode ser retirado a qualquer momento. Uma vez retirado, persistir no comportamento pode transformar um encontro consensual em violência sexual. Os sinais fisiológicos de excitação sexual não são substitutos do consentimento.

Outras perguntas importantes incluem “Como você sabia que seu parceiro estava gostando?” “Seu parceiro tinha ou usou uma palavra de segurança (ou seja, uma palavra ou gesto que significa que a atividade precisa ser interrompida)?” “Você sabia quais eram os limites do seu parceiro?” “O que você negociou que aconteceria?”

Já as perguntas que provavelmente não ajudarão muito em determinar se um indivíduo é sexualmente violento incluem “Você ou seu parceiro estavam excitados?” “Seu parceiro já usou uma palavra de segurança antes?” “Você tem histórico de violação de limites?” “Seu parceiro alguma vez disse ‘não’ ou ‘pare’?” “Seu parceiro provocou você?”

As interações e relacionamentos BDSM podem terminar e terminam por vários motivos. As primeiras interações de BDSM geralmente ocorrem em ambientes semipúblicos onde outros praticantes de BDSM podem intervir, ou um participante pode organizar uma “chamada segura” (ou seja, se o praticante não ligar até um determinado horário, a polícia ou as autoridades serão alertadas). Essas salvaguardas podem reduzir o risco de se tornar uma vítima.

Distinguir entre BDSM e violência sexual é possível e importante, e pode evitar encaminhamentos inapropriados ou não darmos atenção a essas denúncias.

Traduzido de:
Differentiating sexual violence from BDSM
Charles Moser, PhD, MD
The Journal of Sexual Medicine, Volume 20, Issue 10, October 2023, Pages 1233–1234, https://doi.org/10.1093/jsxmed/qdad114